terça-feira, 13 de dezembro de 2011

a correnteza do tempo

Eu minto tanto sobre tudo o que sinto
A todo momento, a cada instante, por trás de uma máscara que já não me serve mais.
É uma catástrofe sem precedentes.
Minto como quem se apaixona pela poesia da própria poesia que já não há,
Pois a beleza do outro é também a mentira nos olhos quem vê.

Uma correnteza forte invade o rio onde repouso os meus sonhos,
O movimento abrupto da natureza das palavras arrasta meu barco pra muito longe.
Vejo um anjo repousado na proa,
Ele se tinge de cores estranhas.
Uma serpente se enrola con-for-ta-vel-men-te nos meus pés.

Sinto o conforto do não confronto,
Do entregar-se a não sei lá o que,
Sinto as horas, os dias e as décadas sinceras.

Existe um muro, que separa o hoje do resto de mim,
E acho que sei tudo sobre ele.
Sou bastante sincero quanto as ilusões
E também aos muros.

Eu erro a cada segundo, erro com e sem razão,
Erro pois não sou anjo e nem serpente,
Erro pois não sou deus onipotente,
Luto contra a correnteza do tempo
Pois assim, erro.


marcelozorzeto

sábado, 3 de dezembro de 2011

lição # 1



O veneno talvez tenha sido pouco para mim. Talvez. Não sei.  O sangue que oxigena as artérias grita desesperadamente por ajuda. O balanço do trem, e o cheiro maldito de fumaça me fazem querer pular.  Talvez seja a maldita falta de chuva. Sinto minha pele craquelar. E os meus lábios não se molham há tanto tempo que eu já nem me lembro mais. Sinto sede. Fome. Preciso de um banho quente. É preciso uma autópsia urgente. Uma abertura no tórax. Alguém que me olhe por dentro. Pedaço por pedaço. Entre os dentes. Me revire o estômago. Abra meu cérebro e enxergue com meus olhos o que há de mais nítido e claro.

Não há tempo eu sei. Minha ferida coça. Os pontos quase arrebentados me lembram que minha carne é pouca. Essa maldita fumaça que me faz querer pular daqui a qualquer momento. Meu quarto é um frigorifico. O cheiro de mofo me obriga a deixar a janela sempre aberta.  Mas nunca deixo. “Hey Casanova you don't look too good, but I know times are tough”, a cidade grande parece tão grande daqui de longe. Parece que serei esmagada. Parece que vou passar o resto dos meus dias sem dormir. Choro. Choro de lamber as lágrimas, mas os lábios sempre secos e eu nem me lembro mais.

A capital é agradável e fria. Lá tem mais veneno mãe. E pai, fica sossegado, que eu ficarei longe da maldade. Não quero sair nos jornais a qualquer custo. Antes da hora. Prometo que cuidarei sempre do meu amor. Enlouqueço homeopaticamente. Está azul. Amarelo. Laranja. Vermelho. E meus primos são todos perdidos. Minhas famílias adoecem um pouco pra poder sobreviver.

Antes o amanhã me preocupava, hoje desanima. Soluços. O silêncio corta os soluços. E minha pele clara se torna roxa de repente. Os olhos se fecham e há um copo d’água bem na frente do meu nariz. Meu cabelo cai. Há cabelo na água. Eis uma sopa de cabelos. Curtos e sujos. Enrosca pela garganta. A ferida coça e os pontos arrebentam como um balão de ar enchido às pressas. Pigarro. Não fumo há meses. Mas tenho fumaça no quarto.

Minhas filhas sempre me visitam. Não lembro quando. Lembro-me do pacote de biscoitos e o pote de geleia. Não lembro o sabor. Talvez fosse damasco. Laranja. Uva. Maçã. Ainda tenho biscoitos. Parecem um pouco velhos agora. Murchos como meus lábios secos. Tenho biscoitos, mas não geleia. A vida é linda filha. A ida é linda filha. A volta nem tanto filha. A volta nem tanto.

Me deito. Finjo que adormeço. Finjo que sorrio. E o sono vem. Como uma pedrada na cabeça. As mãos no peito. Os pés juntos. Hoje é festa. Tem flores. Amigos. Inimigos. Tem doce. Café. Alguém com um chapéu engraçado e óculos bebe café e ri escancaradamente. Estamos todos perdidos. Queremos achar a saída. Alguém sabe onde fica? A saída.

Fujo pela porta dos fundos. Ninguém me vê. Todos estão muito ocupados. Um bando de viciados em morte. Morte em vida. Há chuva lá fora. Há chuva aqui dentro. Meus lábios molhados. A chuva. A cidade é cinza e molhada. O homem gordo fuma. O cigarro apaga. A chuva apaga o cigarro.

Frio. A noite tem cheiro de hortelã. Tem cheiro de esgoto. E se tudo acabasse agora? E se a noite acabasse agora? E se a chuva acabasse agora? E se o mundo acabasse agora? O meu amor é feito de seios murchos. Frutas mortas. E sonhos secos.

Meu amor. O sol.

marcelozorzeto