Com um punhado de fotografias e alguns “tapes” esquecidos na
gaveta do armário da sala, revisito meu passado e me recuso a acreditar que ele,
um dia, tenha de fato existido. Aniversários e casamentos, festas em preto e branco,
encontros e abraços apertados que há muito tempo não se abraçam mais. Reuniões
regadas a afeto rasgado, congeladas no piscar de uma Polaroid. Um mundo guardado em uma
pequena caixa de sapatos e que se apaga com o tempo. Lentamente. Pacientemente.
Impiedosamente. Assim como nós nos apagamos todos os dias.
A impressão do sonho é a ilusão de que tudo foi real. Mas nada
é.
Vagas memórias vagas. Pedaços de bolo de papel, pessoas de
papel, com olhares de papel.
O almoço de domingo, o jantar de sábado. A visita inesperada
em qualquer dia era sempre bem vinda. Amigos
que já devem ser amigos nas fotos de outros amigos.
As sobras que guardadas na geladeira duraram até o dia
seguinte de um dia que não é mais, há tempos, e que não tenho certeza se um dia
foi de verdade. Um sorriso meu que mal posso provar que foi realmente meu.
Fantasmas e garrafas de Fanta espalhadas sobre a mesa, e a
sobremesa que o tempo deixou sem gosto. Nem estas mal traçadas linhas poderão
um dia ter sido escritas por mim.
O tempo apaga os rastros, as pegadas e as impressões. As
digitais se desgastam. A pele se
dissolve nas coisas que tocamos. É a vida se dissolvendo nas individualidades.
E eu que não consigo imaginar a diferença entre o que é
sonho e o que é memória.
E se o amor não for abstrato?
Que tudo mais seja abstrato.
marcelo zorzeto