segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A preguiça e a rede

era uma vez um poema de Drummond, um poema que quase ninguém nunca leu. era um poema muito longo, que dava muita preguiça na gente, assim como a preguiça de chegar até o fim deste texto neste exato momento. quase ninguém lê muita coisa por aqui mesmo, apenas fingimos ler, a maioria, assim como fingimos a amizade, os orgasmos, os amores, os horrores, as dores de dente, mas o ódio não, esse é verdadeiramente mortal, quase ninguém finge.

mas o poema está aí, solto na rede, ao contrário dos peixes, das tartarugas e do golfinho, que se prendem à rede que os extingue. o poema é muito longo, mas a preguiça dos nossos tempos é ainda maior. ele, o poema, desce pela página sem fim, infinitamente maçante, assim como é a vida real, a vida de todos nós, mas aqui não, aqui as coisas se resumem em festas purpurinadas, fotos sorridentes, fatos inventados, selfies de desespero.

a sociedade virtual execra os poemas longos, os esquece empoeirados no instante cibernético e almeja a pílula do ridículo instantâneo, a felicidade acena com uma simples piada obscena, sobre pretos, pobres, putas loiras e gays. a torcida vai ao delírio no estádio binário e aí vão dizer: nossa, hoje em dia não se pode contar uma simples piada? que piada!


marcelozorzeto