terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Sem horas

sobra-me tempo pra me perder
e tenho apenas o sol que há pouco se pôs  
estampado na minha pele em vermelho
perdido em permanência 

senhores sem horas de sobra correm pela multidão apressados
alegres, preocupados
seja noite ou dia o atropelo é a tragédia aguardada em minutos
ele nos consome
nos come
devora-nos

à solução que me falta
salto à sombra do meu esquecimento
do excesso de soberba e dúvida
um mergulho em mim de perder o fôlego
olhos sem brilho ao norte do coração pulsante
e uma canção com a melodia que escorre nos olhos de quem a entoa
eu já não canto mais

sobram-me carícias duras, carícias rochosas
ausenta-se o pranto na minha face sempre mórbida
e são olhos novamente foscos os que me espreitam
duvido do tempo que verdadeiramente se perde de mim
que também duvida do sentido do quando
num breve amparo do agora
do nunca.

marcelozorzeto

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

sem fim

por vezes só a doença pode me trazer a cura só o desespero pode me aliviar a alma e só a dor pode me trazer a alegria, mesmo tardia é como enxergar a beleza no que é dito feio pervertendo o que há de mais sagrado nos julgamentos ver graça na sede que me mata e sorrir pra quem me olha com desprezo.

marcelozorzeto





segunda-feira, 1 de outubro de 2012

eu soul

e se meu poema só quiser ser um poema
onde palavras são só palavras e ponto final
e se minha canção for desafinada, só uma canção
de amor ou não, de ódio, tédio ou repúdio

e se meu olhar quiser ser apenas um olhar
sem segundas ou terceiras intenções
onde o seu brilho seja simples
como o sol e a chuva numa mesma tarde quente de verão

e se em minha arte não houver arte arrogante e prepotente?
e se tudo não passar de um simples cubo de gelo?

talvez nem existam estrelas
talvez nem haja sol, tampouco lua
e nem dias quentes de verão
talvez Shakespeare seja uma invenção 

não tenho certeza de nada
tudo pode ser só um sonho
ou pesadelo

onde a dúvida soa plena e deus é como o amanhã
morrer é regressar de olhos fechados


marcelozorzeto

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

poema número zero

tenho me despedaçado
ultimamente
intensamente
inversamente
violentamente
perdido partes de mim por aí
pelas ruas
pelas cinzas
pelo entulho
por detrás de cada placa de PARE

debaixo do tapete da sala
minúsculos “eus” por toda parte
carne, alma
calma/carma
sentimentos descartáveis, não descartados
empilhados
sentimentos que expiram
com prazo de validade

sinto tanta falta
de mim mesmo

sim e não misturados no mesmo copo sujo de café
se o resto é o que há para o agora, comerei
a sobra de alguns
é o banquete de muitos
se a minha alma se perde entre os céus
me embriago com a chuva
bebo do mesmo rio em que elas choram

tenho me desperdiçado
ultimamente
imensamente
pateticamente
poeticamente
como um pedaço de carne deixada no prato
muitos sentem fome, de vida e de carne
sinto a fome dos sonhos que ficaram pra trás

a luz me cega e a vida é pouca
os filmes em branco
negativos
"unprinted"
sem som, sem sombra
assombração
a falta que me faz tudo aquilo que me foge aos olhos
a sobra de tudo que forjo em minha cabeça
a casa que me viu crescer
a rua que me caminhou pelos primeiros passos
o som do azul quando se junta ao amarelo no pincel cego do artista
olha pro céu meu amor
a chuva já vem vindo

marcelozorzeto

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

silêncio

meu ser se assemelha ao céu que é somente seu
seu céu em meu ego cego, que segue adiante e ateu
ser seu sertão num cercado de sol à pino, um caracol...
sou instantes, um pouco antes da boca encontrar o anzol.

sou você sem fim ou sem mim
e minha alma só se acalma 
se em nossa cama,
em nosso jardim.
seu ser no meu sol, sem fazer sombra, sem me fazer só
meu eu, volúvel, solúvel ao me transformar em pó
desfazendo o nó
sem dó nenhuma de mim
de uma dor nem tão doída assim.
meu eu, seu nosso
seu meu, eu posso

no sal dessa terra, desse deus morto 
nessa cidade triste
nesse mundo insosso
de almas tristes e pensamento torto.

marcelozorzeto

sábado, 11 de agosto de 2012

cicatrizando

sem querer e sem pedir me vieram as palavras
palavras sem sal, sem tempero
palavras sempre mal passadas
que chovem aos berros
que gritam loucamente em suaves murmúrios
entre sorrisos tortos

palavras que saltam ao meu redor
brincam numa ciranda alucinante
com todas as letras de mãos dadas

as ideias me escapam
quero fazer delas pessoas de carne e osso
como misturar então dor e saudade e a boca amarga de café?

e tudo que tenho é um poema barato
sujo
desonesto
de sabor indigesto
que não consigo engolir nem a pau

palavras de carne também sangram
e sempre é difícil estancar a nossa insensatez
nos resta a cicatriz mal feita, mal costurada
a qual temos vergonha de expor em dias de sol

marcelozorzeto

sexta-feira, 27 de julho de 2012

amargo

sobre o pão amargo da noite, sagrado e dividido em partes desiguais
pairam palavras duras como o vento que leva a pena leve pelo ar
às pressas, abruptamente, violentamente sem ter chance de se despedir

sobre o chão batido, calado e sofrido
ficam as coisas que não são de deus nem do diabo
e essas andam por aí sem destino, em desatino, numa febre desmedida de frio

sobre o mundo cão, danado e perdido
minha poesia também se perde, desaparece nos becos idiotas
em olhos de crianças com fome que pedem trocado pelas janelas escuras do mundo

pelos caminhos que escolhemos em vão, arrependidos e sós
cabem desculpas nunca pedidas
em casos de amores mofados
rancores sem cura e prazer com compaixão
noites mal dormidas de insônia pensando na vida que não para e não espera

por onde antes havia a razão desmedida e cega de certeza absurda
penso agora, absurdamente na contraprova da verdade absoluta equivocada
na poeira que se levanta toda vez que alguém diz amém
e na fumaça de Sampa que sobe, cega, apaga estrelas e me faz tossir minhas desgraças

sabe o que? A dúvida é o que me excita!
a loucura dos versos propensos à lucidez
desmentem os laudos de minha sanidade mental em plena ebulição

viva os palhaços das causas perdidas que como eu acreditam no “porém”
muito mais do que em qualquer “além disso”.

estou perdido e não peço socorro, não quero socorro
corro só pelo mundo que há de me ver morrer só, assim como vim, nu e só

e palavras absurdas como estas
são apenas absurdas quando não se tem fé nas palavras

a loucura me comove mais do que a alegria
e é engraçado ver essa gente metida a sã brincando de dona do mundo
loucos são os outros
a loucura é um muro alto, de onde a gente tem que cair
obrigatoriamente tem que cair

marcelozorzeto

domingo, 3 de junho de 2012

poema de domingo

quando há corpos misturados a copos já vazios
é muito mais sutil o amor
é guardar em pequenas partes 
que flutuam nos espaços entre nós
o sorriso largo que se dá à toa

talvez eu tenha nascido pra sempre
e talvez o meu pra sempre seja por demais efêmero
mas é o necessário pra taça de vinho se consumir
pro beijo quente e molhado tocar as estrelas que se apagam

é o tempo suficiente pra existir
por alguns segundos
pra sorrir em detalhes esquecidos
pra chorar nas ondas do seu corpo também passageiro
como o vento

é meu tempo no teu corpo
é meu corpo em teu altar
vou chorar quando nos formos
vou rezar no escuro a prece mais sincera dos nossos dias de amar.

marcelozorzeto

quarta-feira, 23 de maio de 2012

pra sempre amor





quando te faltarem as palavras meu coração é teu
quando te faltar um abraço leva meu corpo pra sempre pra te aquecer
quando o teu sorriso teimar em se esconder dos teus lábios
toma minha boca inteira emprestada, mas ao devolver cobrarei juros de sorrisos e beijos
como forma de pagamento.

o meu todo é teu por nada
o meu agora é teu pra sempre
o meu sempre é hoje ao teu lado
deixe o sol nascer meu amor
que a lua logo vem
que os nossos rostos juntinhos, ao vento da varanda
são atemporais.

marcelozorzeto

terça-feira, 15 de maio de 2012

não desejarás a mulher do próximo!



Não desejarás!

Não desejarás a mulher do próximo!...

... e a mulher do próximo, pode me desejar?

E se desejo o próximo ou ele me deseja?

E se o próximo não deseja a mulher dele?

E se a mulher do próximo não deseja ele?

E se os três nos desejamos?

E se ninguém deseja ninguém?

E se minha mulher deseja a mulher do próximo?

E, por que não... o próximo?

E se o próximo deseja minha mulher?

E se eu desejo a minha mulher e a do próximo?

E se ambas me desejam?

E se... todos nos desejamos?...

Sempre aparecerá alguém para dizer: "vamos parar por aí!... não desejarás!... e ponto final!"

Sérgio Kohan

quarta-feira, 9 de maio de 2012

relógio analógico

A nossa vida só vale um segundo: aquele em que nós estamos agora,
agora,
agora,
agora,
agora,
agora,
agora,
agora...

domingo, 1 de abril de 2012

assim fonia


a vida é assim como o tempo
o que é novo envelhece e não pede licença

o homem é assim tanto quanto a mulher
paixão à flor da pele, de almas sutilmente intensas e hostis

o amor é assim tal qual o ódio 
corações abertos e olhos fechados,
vice-versa e tudo já é cinza

o mundo e também os sonhos são assim
um reflexo que inexiste diante desse espelho opaco do rancor 

seu me sei demasiadamente nada,
uma porção de insignificâncias

mas sou vida, sou tempo e sou sonho enquanto posso
sou homem e mulher, amor e ódio e fruta madura no pé
peço a mais bondosa licença e desculpas sinceras 
o meu som é assim, alto demais pra quem odeia essa música das almas.

marcelozorzeto

quinta-feira, 29 de março de 2012

infância velha

     foto: Camila Bianchi

houve um tempo em que eu era criança
ainda da cor original do pecado pintado do mundo
meu mundo era a minha rua
o sol ainda virgem, amarelo de giz de cera,
o vento, a chuva, e a escuridão, eram amigos descobertos pouco a pouco

aventuras do viver, euforia que não tinha fim
não distinguia o real do sonho
continuidade de um mesmo universo
simples e infinito como quando se é ingênuo
o beijo urgente na menina linda, causava desespero e euforia,
mas nunca acontecia na minha boca real
e misturava os sentimentos atirados sobre a carteira da escola

sinto saudade de ser o que o que nunca mais fui.

marcelozorzeto

sexta-feira, 16 de março de 2012

joão de deus


Essa é a historia de João. João desconfiava de tudo e de todos. Desconfiava mais de todos. Quanto ao resto só lhe restavam dúvidas. Achava que não tinha amigos. E talvez não os tivesse. Vivia com um gosto amargo na boca. Talvez fosse o fígado, e era isso o que todos diziam. É o fígado.

Casado, João amava a esposa que o amava. João não amava muitas coisas, mas amava, e amava também as crianças. E amava os pássaros. E amava o mar. Do resto, quase tudo lhe dava uma aptidão imensa para o ódio, que sempre lhe amargava a língua, e que todos diziam ser o fígado. É o fígado.

João desconfiava de que as pessoas fossem falsas, cheias de segundas intenções, não se sabe se com razão ou sem ela. Aos poucos João tornava-se um ser de pedra e sal. E isso não era bom para ele, e alguém sempre dizia em seu ouvido: João, não seja tolo, a vida é assim mesmo. É a vida! É a vida.

Os pais de João eram casados, mas há tanto tempo, que eles nem se lembravam mais do por que. É a vida! É assim mesmo. João não entendia e tinha medo do espelho. Tinha medo de se ver a imagem e semelhança de seu progenitor. Corria dele, o espelho, como um vampiro. Embora ainda gostasse de alho frito no arroz. Porém não ia à igreja. Deus tinha mais o que fazer, ele não poderia ficar ouvindo os pedidos mesquinhos de criaturas mesquinhas. João não gostava de papas, e nem tinha muitas papas na língua. (trocadilho do inferno) João também não acreditava no inferno. Nem no céu.  

Um belo dia, desses que vemos em comercial de margarina. Não, talvez comercial de cerveja. Quer saber, vamos esquecer os comerciais, até porque o dia não era tão belo assim, aliás, nenhum dia é belo quando se sente a boca amargar às 7 da manhã. Um dia, João acorda decidido a mudar sua vida. O pensamento de mudança já vinha de algum tempo, ele não veio assim do nada, ele apenas resolve por em prática naquela manhã.

João se lembra dos amigos que não tem, e dos que tem também, mas talvez estejam um pouco longe demais pra serem, e até dos que já teve. Respira fundo enquanto escova os dentes em frente ao espelho. Lembra-se da esposa que ama e que também o ama. Pára de respirar quando se lembra que lhe ensinaram que dias assim são equívocos. Dias assim que pensamos nas coisas da vida. Dias em que duvidamos e acreditamos ao mesmo tempo.

Fecha os olhos e os sonhos todos vão pelo ralo da pia junto ao cuspe de saliva e pasta de dentes Sorriso.
João tenta sorrir forçadamente, um sorriso impreciso demais pra lhe fazer acreditar que pode mudar alguma coisa. Nem o espelho acredita nele. O espelho do banheiro é do tamanho exato de seu mundo. Uma foto 3x4 ampliada e em movimento contrário ao da vida de João.

De repente João pensa que a morte às vezes pode demorar mais que o desejado pra chegar e verdadeiramente se aborrece. João guarda a escova e o tubo de creme dental e vai à cozinha com a mais inocente intenção de tomar um café. Toma um café e sai apressado, mas sem pressa de chegar. No caminho do trabalho pensa em como tudo poderia ser diferente. Bate o ponto. Engole o orgulho em sua boca amarga e tenta aceitar que a vida é assim mesmo. É a vida, todos dizem. Mas não era assim para João.

João sabia que a vida poderia ser do jeito que alguém sonhasse que fosse ser. Era só apontar pra direção preferida e partisse rumo a ela. O mais difícil era escolher a direção. Eram muitas. Infinitas. João sempre que pensava em partir em direção a alguma delas, titubeava. Pensava no tempo. Pensava no tempo que passava, no que tinha passado e no que iria vir e passar também. E todos esses tempos juntos pareciam tão poucos pra João.

João não era eterno e nem aeroplano. João era plano terrestre, despido de formalidades. Em seus sonhos, sempre tocava o chão pra não voar. Povoava seus pensamentos com coisas do mundo de lá de longe, mas coisas que pudesse tocar com as mãos e lamber com a língua pra sentir textura e sabor.

João no trabalho era João mais perto das nuvens. Quase nunca estava de corpo presente, sempre passeando pelos pensamentos mais distantes. Dava a sonhar com a vida vivida de verdade. Dava a sonhar com seus sonhos mais reais e sua boca ficava até menos amarga. Sentia gosto de chá de hortelã. Nessas horas sua boca ficava era como mel. Docinha, docinha. Poderia atrair até um enxame de abelhas.

Mas João às vezes disfarçava ser o que era, sendo aquilo que não era.  Era nada fácil viver no mundo dos outros. Não que João não suportasse viver no mundo dos outros, o mundo das coisas compradas, fabricadas e forjadas, ele se aplicava e conseguia até enganar às vezes, mas os habitantes do outro mundo é que eram muito contundentes em suas opiniões sobre João. Era difícil agüentar a pressão de ser de outro mundo.

Hora de ir pra casa e João sente falta do amor de sua esposa. Um sentimento bom o arrebata e arrebenta com seus pensamentos mais negativos. E os sonhos vão juntinhos dele. No trabalho fica apenas a cadeira vazia e uma máquina de escrever desligada. Seu rastro se apaga em segundos. Não fica nem cheiro do perfume barato que usa. Parte com a ideia fixa. Viver a vida que sempre quis. Ilusão ou não. João só quer ser feliz.

                                           fonte: google image
João gostaria de ser uma mosca. É tudo muito mais rápido. Da larva às asas em muito pouco tempo. Tudo intensamente. Sem sapo, sem rã, sem sopa. Poder existir do primeiro ao último momento de existência. Ser amigo do tempo. Quem é João? Ninguém? Todos nós?






terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

folia

a frase imperfeita 
feita imprópria
quase doce
quase frase
quase dita
em silêncio
ao pé do ouvido
ao pé da cama
ouriça a minha pele
enrijece os meus mamilos
saliva e deleite

o gozo assimétrico
a libido a me roçar por dentro
a vírgula ereta que provoca a pausa
o estampido final
fluidos intercalando corpos

e o meu coração, bateria
repousa alegre na avenida
nos teus braços de carnaval

marcelozorzeto

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

morte do tempo

não concordo com o mundo que me ignora
discordo do tempo, meu inimigo íntimo
espero a morte de braços abertos

nasci do avesso
não sou artista, anarquista, adventista
sou apenas átomo e éter

a verdade me incomoda muito mais do que a ausência dela mesma
plural e singular
denominador em comum
incomum ser

ser é raro
é muito mais caro ter
custa-me o tempo
custa-me o mundo
custa-me a dor
mas a morte não

a morte é o fiado que nunca pagamos
é crédito vitalício em silêncio e escuridão
o supra-sumo do nada
o azul pintado pra não durar mais que o necessário

há muita tristeza na alegria dos ignorantes
vou ignorar a verdade
venero a indubitável dúvida
sou feito inteiro de partes do nada
do absoluto nada

marcelozorzeto

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

eu duvido de você que tem certeza

qual o erro em achar que tudo está errado, quando o certo me parece muito duvidoso?
e onde está o erro em errar sempre e desenfreadamente?
somos humanos demais pra acertar
duvido mesmo de tudo e de todos só por garantia
e duvido de mim mesmo, em dobro, porque sou... antipático

julgo-me culpado por todos os crimes que ainda não cometi
e os que cometi me tornam ironicamente inocente de minha certeza
se a dúvida me parece absolutamente certa, a certeza me causa náuseas
mas o paradoxo me alivia as têmporas e a enxaqueca me torna mais... vivo
e mantém tudo em total desequilíbrio, na mais imperfeita harmonia celestial

como sempre deve não ser
como sempre o não deve ser
positivamente negativo
o poder absoluto da dúvida é com certeza minha garantia.

marcelozorzeto

sábado, 7 de janeiro de 2012

afinal, o que é a vida? - para Antonio Abujamra

a vida é feita de muitos sapatos velhos, sapatos já desgastados pelo asfalto quente e sujo, sapatos que não machucam mais os pés e que nos deixam quase nus. a vida é a pele que nasce e morre se esfarelando pra sempre. são fios e fios de cabelo que vão ao chão pra nunca mais. é pelo caminho que ficam os pedaços de quem passa, ou ao contrário. quem não acorda, às vezes, mesmo sem querer, depara-se com um monstro de entulhos, restos de nós mesmos, bem ao lado do sofá da sala.

a vida não é nada, mas... a cada véspera de último suspiro, a cada ensaio de despedida,  a cada aceno, guardado no bolso da calça, a cada grito torto na minha garganta inflamada. ela, curiosamente, se torna muito mais interessante e oportuna. tento me livrar do excesso de peso extra nas costas já um tanto cansadas. admito a impossíbilidade.

a vida, meu amigo, é a sobra da comida de ontem. o café frio e a cerveja quente de hoje, misturada à fome e à sede do amanhã. a vida não é, e não pode ser um grande festival de “se”. ela é pouca o bastante pra quem se foi e nada levou. e excessivamente longa pra quem fica a contar cada centavo.
a vida é indefinidamente boa ou ruim. a vida simplesmente é.

"agora me dá um abraço, que a unica coisa falsa deste programa é o abraço?"

marcelozorzeto