segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

chuva em SP

sem a chuva seca
com a chuva inunda
e o mundo, imundo
o lixo flutua no homem
que se afoga no lixo.

marcelozorzeto

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Eu odeio o canto desse passarinho chamado helicóptero!
" Se não estiver precisando de qualquer coisa, me liga".
Um senhor embriagado na Praça da República
A crise no abastecimento de amor em São Paulo é de proporções catastróficas.

aos olhos que veem e não percebem

aos olhos que veem e não percebem, tudo é vento, não há vendaval, tampouco a brisa do mar se revela - aos olhos que veem e não percebem, tudo é hora, minuto ou segundo, só há o tempo das coisas e tudo escorre pelos dedos das mãos, sedentas de aprisionar - aos olhos que veem e não percebem, tudo é prosa, o viaduto, o chá e tudo que há sob(re) ele também e a poesia se esconde nas frestas do cotidiano, imperceptível - aos olhos que veem e não percebem, tudo é tudo e nada é quase nada, quando tudo e nada podem ser a morte e a vida numa simplicidade abissal.

aos olhos que veem e não percebem, tudo é concreto, nada é abstrato (odeia-se o abstrato, o impalpável), mas nem mesmo o arranha-céu, em sua forma de mar agitado de cimento e cinza, arranha a sensibilidade  - aos olhos que veem e não percebem, tudo é lixo, o saco preto do lixo, o homem preto no lixo, a criança preta no semáforo - os olhos que veem e não percebem sofrem de uma cegueira de alma e fazem sofrer tudo e todos os que habitam esse quase limbo, contra-mão do amor, inferno na rua paraíso.


marcelozorzeto

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Impressões de um dia de tarde

Ao fechar os olhos e me deixar conduzir por um desconhecido rumo ao desconhecido
me bate uma sensação conhecida, a sensação nítida de estar vivo. Conhecida, porém não muito acessada.

A tensão ao dar um salto no escuro te coloca em estado de alerta imediato. O risco é iminente. A vida também. O teatro também. Aliás a vida é teatro e vice-versa não nessa mesma ordem. A arte é vida. E o risco é o estopim pra todas as coisas não cotidianas.

O que nós queremos é comodidade, queremos conforto, queremos segurança. Todos se matam e se odeiam por esses três pilares de nossa atual sociedade. As pessoas se fecham em suas casas de muros altos pra não correrem risco. Mas não correr risco é estar morto. Apenas aqueles dentro de caixões estão fora de perigo. E se fechar em muros altos é uma espécie de morte.

E ao estar em risco, ao estar em estado de tensão, eu me coloco em escuta da vida. Das coisas mais simples. Do som dos pássaros. Dos Silêncios ao meu redor e em mim mesmo. Os sons do meu corpo, dos meus órgãos, do meu sangue que corre em mim  e consequentemente, no outro.

Assim como ver, olhar e reparar são coisas distintas, ouvir, escutar e perceber também os são. Não há relação verdadeira sem perceber os sons que saem do corpo alheio, não só da boca, mas do peito, das costas, dos olhos, dos pés.

Estar inteiro é uma espécie de estado de antena parabólica, que capta as ondas que vem dos que se relacionam contigo, seja no palco, seja na vida. Estar inteiro é uma questão de estar presente. Pois a vida só acontece no presente.

marcelozorzeto

terça-feira, 25 de novembro de 2014

abraço líquido

o abraço líquido se evapora no mesmo instante do toque
transforma qualquer um numa ilha cercada da solidão de corpos

abraço apenas de braços
que me afoga no vazio e transborda ainda no raso

o abraço líquido escorre
escorrega as mãos pelo ralo da pele
e se perde pela superfície das relações

o abraço líquido não esquenta o frio do fim da tarde
ao contrário, gela a espinha e congela a alma

o abraço líquido
é sem forma
é sem gosto
é sem cor

marcelozorzeto

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

pequenino poeminha em -ão

ela, céu aberto
eu, sem definição
ela, flor-perfume
eu, concreto e papelão
ela, calma chuva
eu, enchente e aflição

ela, sol à pino
eu, suor em exposição
ela, a noite quente
eu, insônia e TV (lisão)
ela, nuvem branca
eu, fumaça de avião
ela, a lua cheia
eu, um celular e a escuridão

ela, mar aberto
eu, um cais em solidão
ela, é só saudade
eu, cidade em construção
ela, um rio que corre
eu, meu corpo decomposto - pão
ela, vida plena
eu, sem querer, numa falta de atenção, entrei com o meu carro na contramão. por sorte não bati. Ufa!

marcelozorzeto

quadrinha caipira paulistana

quando eu morrê, quando eu morrê/ pur favô, mi joga nu Tietê
queru flutuá, e flutuá/ cada veiz mais longe du má
vão mi cumê, vão mi cumê/ assim comu vão comu ucê
num vai sobrá, num vai sobrá/ nenhuma istória pra contá


marcelozorzeto

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

poema e poesia

um poema é letra e palavra, 
poesia é sentimento e ruptura;
um poema é frase, é verso 
poesia é grito e escuridão;
um poema é forma, é estrofe, 
poesia é abismo e fissura;
um poema é língua e saliva,
poesia é peito aberto e silêncio
um poema é tinta e impressão,
poesia é lavra em vinho tinto.


marcelozorzeto

terça-feira, 4 de novembro de 2014

poema chato

eu sou o poema chato que ninguém quer ler
desinteressante
que se ignora
assim como é a vida para essas pessoas


marcelozorzeto

jardim da infância

o que faz uma alma sem habitar o corpo que lhe foi designado?
flutua no espaço?
caminha entre nós matéria?
veste-se de branco e assusta os já amedrontados?

seria a alma uma invenção do corpo pra dividir responsabilidades?
ou seria o corpo, uma invenção mal acabada, produto de uma carne-oficina
numa convenção de almas de um mundo além?
 
num mundo de almas
seria o corpo um adorno pras vaidades?
ou seríamos apenas robôs preenchidos com sangue?
recheados de uma massa que se desfaz aos poucos?

seria a consciência uma ilusão?
e a ilusão, o que seria?
e a música de Bach?
e o mar e o céu?

há um deus em nós
que se manifesta apenas quando nos esquecemos
nos esvaziamos

esse deus é o silêncio
o espaço
o tempo agora

não há morte nem vida


marcelozorzeto

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

em vão

loteamento de chão
lama e alma
lamentação
ser um cão sem calma
quando se sente são
ação e palma
terra e pão
aversão
verso e refrão
mãe e orfão
calo na mão
falta água - fé - feijão
fome de fama
inflamação

marcelozorzeto

catarse

sem muita pressa pro sono, sempre a essa hora - a mesma hora enfadonha. essa vontade carnívora, esse cheiro de cólera e amores que se esquecem. sabores que podem enlouquecer. é quase sábado e a vida é eterna - tem éter no mundo todo. o momento que finge ser fulgás, é só efêmero às avessas. o ninho sem pássaros é tomado por fantasmas e sou eu que canto, pois também posso ser pássaro, posso ser grito e posso ser a morte nas minhas horas de voo. sempre é pouco e quero mais, quero tudo e o silêncio, quero o sol e a escuridão sem tédio. sei de tudo o que não sou e passo o meu tempo debruçado entre minutos quase eternos, e então me esqueço dele, o tempo, que mesmo sem mim continua. e me enterra. tento sem conseguir - um tanto sem aguentar - pintar meu coração de cor-de-outro,  ele escorre e escorrega, derrete no gelo, é sórdido, é monocórdio, apático. ele quis me convencer, acredita? me convencer a acreditar na cândida fantasia que é essa minha sorte, mas o sonho me consome e já não tem mais volta.


marcelozorzeto

noites na capital

a janela é coberta pela cortina estampada de uma madrugada sem estampa
é manhã e noite ao mesmo tempo, fria-gelada,
já tem som de passarinho acelerando, acordando pra namorar a cidade
tem canto e encanto em algum lugar da avenida. ainda é cedo eu sei -
quarto andar - no céu rosa de São Paulo
sopram os primeiros raios de sol para furar a neblina e extinguir a melancolia
a lua ainda perdida, não veio se despedir,
eu sei que ela ainda existe e se esconde do outro lado do mundo
o barulho da cidade acorda a manhã inteirinha
e a minha ressaca gira com o mundo todo.
o som das impressões que tenho sobre as coisas
é bem mais grave e profundo do que meus pensamentos anacrônicos.
e o relógio, sempre ele, tenta me castrar. o acuso de ser seco pra cacete.
tem trânsito na marginal, mas rio não tem mais, porra, matamos um rio
agora só um esgoto a céu aberto.

marcelozorzeto

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

#####

É tanto sonho que já nem durmo mais com medo de acordar
É tanto medo que já nem acordo mais com medo de sonhar

marcelozorzeto

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

ciúmes

Ciúmes é a projeção no outro da falta que sentimos de nós mesmos.
Não é amor.
É aprisionamento.

marcelozorzeto

domingo, 12 de outubro de 2014

Abaixo o amor S/A
Abaixo o amor microempresa
Só me interessam amores sem fins lucrativos
e sentimentos sem etiquetas de preço.


marcelozorzeto
de alma louca, paciência pouca e cabeça oca.

marcelozorzeto

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

farmácia

onde fracos, frascos
sem remediar, há um remédio
ser humano em comprimido
drágeas de sentimentalismo
Alegria de balcão, tarja preta-cor
censura da tristeza.
a alegria como meta
doa a quem doar
(a quem doer)
aquém do ir
inertes em felicidade.


marcelozorzeto

chuva

quando chega a tarde
sinto falta da chuva
que molha a saudade

então o vento chega
a poeira traz o cisco
e o olho chove no rosto


memórias e lágrimas

marcelo zorzeto

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

há os que preferem
a circunstância ao fato
a repulsa ao abraço
o desprezo à lágrima
a assepsia ao socorro
o dinheiro à solidão
o estômago ao coração
o nunca ao adeus
a certeza inútil ao risco franco
o atalho ao caminho do sol
o preconceito tosco ao beijo de língua
há os que pré-ferem-nos...

marcelozorzeto

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A preguiça e a rede

era uma vez um poema de Drummond, um poema que quase ninguém nunca leu. era um poema muito longo, que dava muita preguiça na gente, assim como a preguiça de chegar até o fim deste texto neste exato momento. quase ninguém lê muita coisa por aqui mesmo, apenas fingimos ler, a maioria, assim como fingimos a amizade, os orgasmos, os amores, os horrores, as dores de dente, mas o ódio não, esse é verdadeiramente mortal, quase ninguém finge.

mas o poema está aí, solto na rede, ao contrário dos peixes, das tartarugas e do golfinho, que se prendem à rede que os extingue. o poema é muito longo, mas a preguiça dos nossos tempos é ainda maior. ele, o poema, desce pela página sem fim, infinitamente maçante, assim como é a vida real, a vida de todos nós, mas aqui não, aqui as coisas se resumem em festas purpurinadas, fotos sorridentes, fatos inventados, selfies de desespero.

a sociedade virtual execra os poemas longos, os esquece empoeirados no instante cibernético e almeja a pílula do ridículo instantâneo, a felicidade acena com uma simples piada obscena, sobre pretos, pobres, putas loiras e gays. a torcida vai ao delírio no estádio binário e aí vão dizer: nossa, hoje em dia não se pode contar uma simples piada? que piada!


marcelozorzeto

segunda-feira, 2 de junho de 2014

sem títuto no título

e essa raiva que me dá quando ouço ingenuidades absurdas
risos soltos, gargalhadas de ignorância
uma felicidade forçada
a alegria comprada na banca de jornal da praça da República
sonhos que se alimentam com migalhas de ilusão
que antes eram jogadas aos pombos

gente alegre com tudo ao seu redor
sons, cores, cheiros e chuva ácida
dentes amarelados, nicotinados de esperança vagamente rasa
rugas de preocupação disfarçadas com pó barato da 25

é preciso ser feliz por decreto! Alguém me disse
institucionalizar a sensação de dever cumprido
pra poder gritar no fim de um dia de conquistas mesquinhas
-EU VENCI!esfregado na cara do mundo
Com gosto de - EU MENTI!
e minto a todo o momento pra mim mesmo

é sempre um ótimo dia pra se ter um dia ruim
e eu só quero o privilégio do fracasso sem culpa
a risada escancarada dos defeitos meus
admitindo minha condição mortal 

quero ter a dúvida da crase
eternamente em crise
acreditando ou não na utopia da esperança
e poder vestir minhas roupas desgastadas
sem me importar com olhares tortos de gente torta
estou limpo de alma, e isso é tudo
se tudo fosse
mas não é!
digo isso com toda a certeza de quem sabe do amanhã

marcelozorzeto

sexta-feira, 11 de abril de 2014

noite em são paulo

o céu azul-anel
é minha espera...
h[era]nça
prata é noite
negros olhos
choram o amanhecer
E os dias dublados me cansam a visão
nublado é o coração.


marcelozorzeto

terça-feira, 25 de março de 2014

impressões

o grito opaco da atriz me pareceu claro como a luz da lua
a dança, a loucura, à luz do luar. pílulas da sanidade geral
o poder como parte da nossa odisseia absurda
somos todos parte desse mito. Misto de gente e alienígena
o fogo que nos consome e faz com que estejamos todos por um segundo do fim.
Kabloommm.

espaços coordenados pra serem vazios. O nada.
"e quantos nessa história já não fizeram isso? O nada?"
o Poder. O ponderável.
o homem sondando o inabalável.
Guerra é paz? A way of life.
Inspiração soturna de fumaça e carne.
enquanto alma envelopada nesse extrato de pele,
estou salvo. Salvo?
é sonho. é tudo sonho e só isso. só isso.
quando me vejo levitando no palco por entre espectros
consigo entender o fim da minha jornada.
"sou eu e eu também."
salve teatro brasileiro. salve esperança humana.
salve amores, salve poesia, salve artistas e seus úteros disponíveis a
gestação do inacabado.
do improvável.
do nosso ser/estar em cada centímetro de espaço alienado.
salve.

marcelozorzeto

terça-feira, 18 de março de 2014

canção de ninar para os nossos filhos mortos

durma filho meu
mas nunca durma tranquilo
pois lá vem a lei do cão
que arrasta e sangra contente
o corpo da gente no piche do chão

durma filho meu
mas com o olho arregalado
pois nossa carne vale nada
como se gente não fosse gente
só quando preta e favelada

durma filho meu
e talvez não acorde nunca mais
pois meu amor virou pesadelo
e te juro, não é por falta de zelo
que não te verei nunca mais.

marcelozorzeto

sexta-feira, 7 de março de 2014

especulação

ao olhar pro passado
e ver tanta beleza e alegria
sinto que finjo a nostalgia dos aflitos

ao perceber tal equívoco
desfaz-se o pensamento
e me apego à teoria

que memórias são fantasmas
fatos distorcidos lá no fundo dos olhos

a vida não existe...
a alma sim
(a lágrima é alma líquida de todos nós)

não fossem fotos, vídeos
e cicatrizes pelo corpo
todo verbo no passado
seria mera especulação.


marcelozorzeto

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

ocupação

eu canto
enquanto meio
deslocado no espaço

eu espaço
enquanto meio canto
deslocado

eu meio
enquanto deslocado
no espaço canto

eu deslocado
enquanto espaço
canto meio

eu enquanto deslocado
eu espaço meio
eu canto
meio deslocado

marcelozorzeto

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

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marcelozorzeto