terça-feira, 25 de novembro de 2014

abraço líquido

o abraço líquido se evapora no mesmo instante do toque
transforma qualquer um numa ilha cercada da solidão de corpos

abraço apenas de braços
que me afoga no vazio e transborda ainda no raso

o abraço líquido escorre
escorrega as mãos pelo ralo da pele
e se perde pela superfície das relações

o abraço líquido não esquenta o frio do fim da tarde
ao contrário, gela a espinha e congela a alma

o abraço líquido
é sem forma
é sem gosto
é sem cor

marcelozorzeto

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

pequenino poeminha em -ão

ela, céu aberto
eu, sem definição
ela, flor-perfume
eu, concreto e papelão
ela, calma chuva
eu, enchente e aflição

ela, sol à pino
eu, suor em exposição
ela, a noite quente
eu, insônia e TV (lisão)
ela, nuvem branca
eu, fumaça de avião
ela, a lua cheia
eu, um celular e a escuridão

ela, mar aberto
eu, um cais em solidão
ela, é só saudade
eu, cidade em construção
ela, um rio que corre
eu, meu corpo decomposto - pão
ela, vida plena
eu, sem querer, numa falta de atenção, entrei com o meu carro na contramão. por sorte não bati. Ufa!

marcelozorzeto

quadrinha caipira paulistana

quando eu morrê, quando eu morrê/ pur favô, mi joga nu Tietê
queru flutuá, e flutuá/ cada veiz mais longe du má
vão mi cumê, vão mi cumê/ assim comu vão comu ucê
num vai sobrá, num vai sobrá/ nenhuma istória pra contá


marcelozorzeto

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

poema e poesia

um poema é letra e palavra, 
poesia é sentimento e ruptura;
um poema é frase, é verso 
poesia é grito e escuridão;
um poema é forma, é estrofe, 
poesia é abismo e fissura;
um poema é língua e saliva,
poesia é peito aberto e silêncio
um poema é tinta e impressão,
poesia é lavra em vinho tinto.


marcelozorzeto

terça-feira, 4 de novembro de 2014

poema chato

eu sou o poema chato que ninguém quer ler
desinteressante
que se ignora
assim como é a vida para essas pessoas


marcelozorzeto

jardim da infância

o que faz uma alma sem habitar o corpo que lhe foi designado?
flutua no espaço?
caminha entre nós matéria?
veste-se de branco e assusta os já amedrontados?

seria a alma uma invenção do corpo pra dividir responsabilidades?
ou seria o corpo, uma invenção mal acabada, produto de uma carne-oficina
numa convenção de almas de um mundo além?
 
num mundo de almas
seria o corpo um adorno pras vaidades?
ou seríamos apenas robôs preenchidos com sangue?
recheados de uma massa que se desfaz aos poucos?

seria a consciência uma ilusão?
e a ilusão, o que seria?
e a música de Bach?
e o mar e o céu?

há um deus em nós
que se manifesta apenas quando nos esquecemos
nos esvaziamos

esse deus é o silêncio
o espaço
o tempo agora

não há morte nem vida


marcelozorzeto

segunda-feira, 3 de novembro de 2014