Meia-noite dentro e fora de mim e a noite ainda nem chegou ao meio de nada. O que me chega é só o barulho do vento forte que sopra a janela entreaberta e assovia uma canção que de maneira alguma me remete ao sono que procuro há dias, mas não consigo encontrar. A carreira é longa. Já o caminho me parece too short. Não colocarei estrangeirismos entre aspas neste texto, não pratico xenofobia com as palavras.
De manhã li um e-mail de um grande irmão, que falava algo sobre o vento. Não esperava ouvir esse mesmo vento, tão cedo, querendo conversar comigo, mas não sou de recusar conversas...e na tv infinitamente ligada, alguém grita um AMÉM do além da tela de led imensa e brilhante.
Meia noite e alguma coisa, e alguma coisa acontece, algo que meu coração nem desconfia o que seja. Nem pensa o que é. Meu coração pensa devagar às vezes, às vezes ele também acelera e perde toda a razão. Mas lá fora alguma coisa acontece, e me inquieta a mente e a cama morna. (sim, pensei na música do Caetano) As árvores se lambem ao som e ao ritmo dos ventos. Nenhuma ave canta. Nenhum grilo, nem cigarras se atrevem... Estão todos a dormir, menos eu.
O vento que escapa pela fresta da janela e chega até meus pés é bem frio e incomodo. Um arrepio passeia pelo corpo encolhido agora debaixo do lençol branco-encardido. O lençol e o corpo também. Estão todos encardidos de pensamentos. Ah os alvejantes de pensamentos... Uso frases curtas para causar um certo efeito linguístico. Mas não causo. O vento sim, causa. Esse, com extrema languidez, penetra o quarto e ávido por causar algo em nossas vidas, ele vem e causa, de verdade, sem pestanejar, pois o vento não pestaneja.
Bêbado, mas não de sono, arreganho a janela da sala e a fumaça do cigarro de filtro amarelo sobe rumo ao infinito da noite silenciosa, noite em coma. E se mistura com as nuvens. E a fumaça e as nuvens se aceitam como irmãs, que dividem o mesmo brinquedo no playground do prédio em Perdizes. Não há preconceito entre coisas em estado gasoso. (Talvez em Perdizes...) Só entre as sólidas. (Com certeza em Perdizes...) Há muita verdade em se brincar com nuvens e fumaças de cigarro de filtro amarelo.
Meia noite e muita coisa pesa sobre os ponteiros do relógio. Um anjo dorme em minha cama, sem asas e sem culpa. Seus olhos fechados me remetem à existência de algum tipo de paraíso sem aviso prévio. Acho que é pra lá que todos vão quando passam a entender as nuvens e as fumaças sufocantes dos cigarros de filtro amarelo. Deve ser um lugar fantasticamente vazio, onde ninguém acha que tem bom senso nem razão e somente o anjo que dorme em minha cama tem permissão de entrada e pode bater um papo com deus, que usa uma jaqueta velha de couro e bandana vermelha na cabeça.
É estranho ficar contando pintas pelo corpo às duas da manhã, eu seu. Já são 206. Penso no trabalho que perdi e me crescem as incertezas. O orçamento. As dívidas. A carreira medíocre. Os sonhos... Lembro-me do Canto de Ossanha e procuro em meus arquivos de mp3. Não, é melhor deixar Clara Nunes em paz a essa hora da madrugada. O vento sopra mais forte, as janelas se descontrolam e as minhas mãos doem eu não sei por que.
Eu sou meu próprio antidepressivo com muitos efeitos colaterais indesejáveis. As palavras me saem pelo avesso e me rasgam a reputação. Onde estão as tarjas pretas quando mais precisamos? Quero esquecer meus pecados, mas sem ser trágico ou piegas.
Engulo às pressas e coloco pra dentro todo esse silêncio que não diz absolutamente nada sobre mim nem ninguém. Empurro goela abaixo com meio copo d’água e um pouco de pena de mim mesmo. Pronto! Estou pronto... Agora posso dormir em paz, mas um quero-quero grita querendo mais, já são 5 e tantos pensamentos e a noite já se vai sem dizer ao menos um Adeus.
marcelozorzeto