terça-feira, 30 de janeiro de 2018

loucos

todo meu respeito às pessoas que enlouquecem, pois a loucura de maneira nenhuma é uma fuga da realidade, pelo contrário, é a liberdade de se deixar ir com os ventos. a não loucura é que é antinatural, o não-louco é um prisioneiro de um sistema construído para usufruir da nossa capacidade de se deixar escravizar. há pessoas que tentam enlouquecer, mas são fisgados pelo anúncio do novo IPHONE 12 e se perdem... os loucos são livres.

marcelozorzeto

repetido

tenho me repetido, desde sempre, repetido as mesmas frases, palavra por palavra, repetido todas as frases que sempre disse, no mesmo tom, frases de efeito sem mais nenhum efeito; as mesmas ideias; tenho repetido as roupas, as mesmas roupas, a mesma calça velha, a mesma camiseta velha e desbotada pelo tempo e que já me sabe o corpo de cor; tenho repetido os caminhos, a mesma rua, as mesmas ruas e avenidas, as mesmas calçadas sujas e esburacadas, abrigando pessoas desabrigadas; tenho me repetido nesse movimento finito de ir e vir, ir e vir, ir e vir, vou e volto dos lugares, lugares desses aonde todos vão e voltam, vou e volto em vão, sem sequer ter saído do lugar, pois tenho apenas me repetido.

marcelozorzeto

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

domingo de feira

Tenho em meu coração um constante domingo de feira-livre. Barracas e mais barracas de frutas, verduras e legumes, tudo já meio passado como a minha própria existência chinfrim, além do cheiro de pastel frito na hora aprisionado em meus pulmões. Nas minhas veias, é como se tomates bem maduros (Não os do tipo cereja, pois esses são os mais caros, mas aqueles da hora da xepa), corressem em minhas artérias e aos poucos se desmanchassem num molho espesso e vermelho escarlate a alagar meu coração.

É domingo em mim e sempre tem sido assim, mas os dias, em teimosia, andam me ultrapassando sem pedir licença, ah esses mal-educados dias ultrapassadores, passadistas. E em contradição ao meu além-corpo-Feriado, já é sempre segunda, terça e quarta. Segunda terça e quarta, quinta e sexta! O futuro me espera com ansiedade de quem ainda nem nasceu.

Em frente ao homem que quer construir o mundo a ferro e fogo (como se tal construção fosse assim vital), disfarço pra não ficar sem jeito. E como se ferra esse homem? E como é ser esse homem ferrado a ferro e fogo? E como é ser fogo? E ser ferro?

Então saio desarrumado, de roupa e de vida, sem maquiagem. Subo num prédio bem alto. Qualquer prédio. O meu prédio. Do centro da cidade de São Paulo, olho a cidade, mas a cidade não me olha. Ela é disléxica. A cidade só quer meu dinheiro. Quer bater minha carteira e minha alma já vazia. 

Molho a cidade do parapeito... O meu peito para... O meu peito molho de coração vermelho escarlate.

Tem uma moça na praça que dança. Vejo daqui do alto, de perto do céu. Aparentemente ela não quer solucionar os problemas do mundo. Ela só dança, dança pra balançar a tristeza dos dias úteis e também dos inúteis disfarçados de alegria. Alguém grita de dentro de mim: olha aí Dona Maria, olha a laranja, olha a banana, olha o abacate.
A feira só acabou de começar.

marcelozorzeto