segunda-feira, 15 de julho de 2019

sou de uma época em que a tristeza era mais bela e a saudade era da cor da alegria.

marcelozorzeto

a teia

olho para a teia do tempo no canto mais profundo da casa
...que só cresce
e não cessa
que me caça
e tem pressa
num movimento mórbido de abraço
nessas entranhas viscosas do mundo...

emudece a minha voz a chuva densa no telhado de zinco
emudece e costura esse meu agora
emudece e costura o eterno
emudece-me esse drama de morte
ainda sem precedentes guardado em mim.
como um inseto incauto, perdido no ar
um incalculável voo de azar
na teia no canto da casa, nesse tempo profundo
tento bater minhas asas 
tentando adiar cada segundo

mas como presa fácil do deixar viver
permaneço calado na cama
fitando o momento mais certo da trama
de por para fora a sua fome
e me chamar pelo meu exato nome
ao me privar de quaisquer amanhãs.

marcelozorzeto

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

dor

este poema seria sobre dor
uma dor nunca ausente no meu bater de asas e coração
que me escorre como nas pedras da montanha
a lava recém derramada de um fabuloso vulcão

este poema era pra ser sobre a dor que sinto
mas como a dor palavra nenhuma sente
tenho eu antes esse medo bem antes de ser medo
cego e quase incoerente

pois a dor é sentido que às vezes dorme,
mas dormente como o botão antes de ser flor na consciência
nunca, nunquinha se faz ausente.

marcelozorzeto

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

mosaico

já rasguei mil vezes o mesmo poema
antes de escrevê-lo - em desespero e calma
por isso esse mosaico de nuvens entre os versos,
entre palavras que lutam pela própria sobrevivência.
se existe amor nisso tudo, eu desconheço
não entendo nem de amor nem de mim mesmo.

marcelozorzeto

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Ousei te descrever

Ousei te descrever como algo que talvez 
se escrevesse em mim mesmo em mero rascunho
como toda fonte-página-palavra em digitação
eis um fonema-poema pouco nobre desse indigesto calar 
entre silêncios indesejados
rabisquei o teu sexo na minha pele manchada
imprimi na boca um sabor amargo, 2D 
dos seus seios manchados em vinho tinto.
Papéis desperdiçados no chão da casa...
Impressora no lixo eletrônico da próxima terça.

marcelozorzeto

quinta-feira, 19 de julho de 2018

ar

tem faltado ar, oxigênio, atmosfera nesse algo a mais que não se sabe o que,
nesse movimento interrompido...
uma pedra morta que também mata quando cai
uma teia que não desata os nós e nos atrai até a armadilha capital
essa ceia à meia noite que me tortura e tenta me degolar como uma galinha sem alma
tenho cãibras e rabanadas no natal, e muita gordura que não desgruda mais da paredes
não sei bem o que...
pois falta saudade no amor próprio dos solitários do mundo
esses seres autenticamente cópias da melancolia própria de uma farmácia
se uma desrazão qualquer me cala
volto e procuro nos olhares já cansados, uma certa fumaça das frases de esquina
ou não sei muito bem onde...
é claramente sólida a minha visão
e ao avistar a avenida em seu pleno amanhecer de cidade cão
como um vulcão latejando de piche e cimento plácido
enfio os fones na orelha e me afogo em lembranças
ouço as canções que me acalmam e que ninguém ousou fazer pra mim
lá fora o tempo passa devagar e ninguém se importa
lava-me a lava do sol da manhã a me tornar mármore e monumento de praça.

marcelozorzeto

quinta-feira, 14 de junho de 2018

é

é irrelevante o meu penar, 
é como o choro daquele que não conheço
primeiro deve-se alcançar o olimpo e só então confiará naquilo que digo
é preciso erguer mil pedras nas costas
depois disso posso cravar no seu peito qualquer palavra idiota
e você se dará por satisfeito.


marcelozorzeto

quinta-feira, 7 de junho de 2018

sobreviver

é pra sobreviver que você se agarra nas pedras da margem
e se suja todo no lodo verde da rocha inerte, fria, amorfa
e eu perfeitamente entendo o seu drama, te observo cada vez mais ao longe
a vida é mais foda no desespero, no desespero verde-lodo de pedra morta
tão morta quanto você, que se agarra às pedras nesse desespero frio de quem não sabe que o rio é tão raso quanto você.

marcelozorzeto

sexta-feira, 1 de junho de 2018

quadrilha

João (machista) amava Teresa (xenófoba não confessa) que amava Raimundo (misógino) que amava Maria (racista, mas jurava que não, pois tinha amigos negros) que amava Joaquim (homofóbico confesso) que amava Lili que não amava ninguém.
João largou a mulher grávida de 4 meses e foi para os EUA estudar cinema, Teresa, quis abortar, mas não teve apoio da família cristã e foi para um convento, Raimundo era o próprio desastre. Maria ficou para tia por opção. Joaquim, gay enrustido, suicidou-se e Lili casou-se com J. Pinto Fernandes que tinha uma banda de arrocha e que não tinha entrado nessa história.

marcelozorzeto

segunda-feira, 16 de abril de 2018

corpo concreto

eu vi um corpo agora na rua andando/vagando nu
no espaço entre mim e um outro corpo preso no chão 
de concreto do lado oposto da calçada estreita
um corpo no espaço vagando quase homem
sem abrigo sem abraço sem afeto
e eu nessa pressa capital da cidade indigna
olhei de lado buscando a cumplicidade do concreto homem do lado oposto da calçada, mas nada vi... nada
apenas um espaço vazio por onde o corpo estreito vagava nu no concreto azul do dia.


marcelozorzeto

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Entertainment

é sério isso? essa coisa de não vai dar pra ser hoje, fica pra amanhã, pra depois, pra nunca mais. o nunca virou sempre no calendário das moças e moços ocupados com o "Entertainment" da vida que é. 
vida entretida demais pra se dar um suspiro no meio da tarde de chuva... beija a boca beija, cisca esse olho que lacrimeja com o a poeira da tarde cinza e tropical. reza uma oração sem palavra e responde, responde, responde... no whatsapp do tempo somos muitos, muitos mesmo e mais ninguém.

marcelozorzeto

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

me procurei por aí

me procurei por aí, nos becos, aos berros, chamando meu nome e meu nome já não era mais; me procurei por aí, cansado e perdido, sujo e bêbado num boteco qualquer da cidade e a cidade já não era mais; me procurei por aí, nos cantos e igrejas, janelas e prédios, gritei meu destino e meu destino já não era mais;

me procurei por aí, por ali, por aqui e por todos os lados, nas bocas de lobo do centro a me coçar na escuridão da rua escura; me procurei por aí nos meus sonhos e pesadelos, acordado em madrugadas sem fim, sessões coruja, álcool e suor e fuligem nos móveis da sala e deus já não era mais além de mim.

marcelozorzeto

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

a bomba da paz

era uma bomba branca, da paz, esteticamente perfeita, bico cinza afiado, uma envergadura admirável de asas. lindamente assoviava uma canção de paz, senhorxs, uma bomba branca da paz, dessas que a gente solta para manifestar o quanto a queremos, a paz, só a paz e somente a paz. pousou no parapeito do prédio e por ali ficou por um instante, estática, metálica, cirúrgica. como era linda aquela bomba da paz. quem a enviou, tinha a melhor das intenções, a paz no mundo e nos corações raivosos. ela aguardava ansiosa, salivando pela paz, ah como salivam essas pessoas. babam pela paz.. então, sem mais espera nem hora, ela, a bomba da paz, como num truque mágico sem graça, num piscar de olho cego, explode de alegria, explode o coração de toda a geral... todo general. EXPLODE. Tragédia e paz, Ruínas e paz, Sangue e paz, Terror e Morte e a paz que tanto se almejou.

marcelozorzeto

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

o presente casa simples

o presente é uma casa bem simples
mobília modesta, filtro de barro da vó
toda cheia de vida
não há nela paredes, mas passarinhos
cantando somente o hoje...

marcelozorzeto

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

loucos

todo meu respeito às pessoas que enlouquecem, pois a loucura de maneira nenhuma é uma fuga da realidade, pelo contrário, é a liberdade de se deixar ir com os ventos. a não loucura é que é antinatural, o não-louco é um prisioneiro de um sistema construído para usufruir da nossa capacidade de se deixar escravizar. há pessoas que tentam enlouquecer, mas são fisgados pelo anúncio do novo IPHONE 12 e se perdem... os loucos são livres.

marcelozorzeto

repetido

tenho me repetido, desde sempre, repetido as mesmas frases, palavra por palavra, repetido todas as frases que sempre disse, no mesmo tom, frases de efeito sem mais nenhum efeito; as mesmas ideias; tenho repetido as roupas, as mesmas roupas, a mesma calça velha, a mesma camiseta velha e desbotada pelo tempo e que já me sabe o corpo de cor; tenho repetido os caminhos, a mesma rua, as mesmas ruas e avenidas, as mesmas calçadas sujas e esburacadas, abrigando pessoas desabrigadas; tenho me repetido nesse movimento finito de ir e vir, ir e vir, ir e vir, vou e volto dos lugares, lugares desses aonde todos vão e voltam, vou e volto em vão, sem sequer ter saído do lugar, pois tenho apenas me repetido.

marcelozorzeto

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

domingo de feira

Tenho em meu coração um constante domingo de feira-livre. Barracas e mais barracas de frutas, verduras e legumes, tudo já meio passado como a minha própria existência chinfrim, além do cheiro de pastel frito na hora aprisionado em meus pulmões. Nas minhas veias, é como se tomates bem maduros (Não os do tipo cereja, pois esses são os mais caros, mas aqueles da hora da xepa), corressem em minhas artérias e aos poucos se desmanchassem num molho espesso e vermelho escarlate a alagar meu coração.

É domingo em mim e sempre tem sido assim, mas os dias, em teimosia, andam me ultrapassando sem pedir licença, ah esses mal-educados dias ultrapassadores, passadistas. E em contradição ao meu além-corpo-Feriado, já é sempre segunda, terça e quarta. Segunda terça e quarta, quinta e sexta! O futuro me espera com ansiedade de quem ainda nem nasceu.

Em frente ao homem que quer construir o mundo a ferro e fogo (como se tal construção fosse assim vital), disfarço pra não ficar sem jeito. E como se ferra esse homem? E como é ser esse homem ferrado a ferro e fogo? E como é ser fogo? E ser ferro?

Então saio desarrumado, de roupa e de vida, sem maquiagem. Subo num prédio bem alto. Qualquer prédio. O meu prédio. Do centro da cidade de São Paulo, olho a cidade, mas a cidade não me olha. Ela é disléxica. A cidade só quer meu dinheiro. Quer bater minha carteira e minha alma já vazia. 

Molho a cidade do parapeito... O meu peito para... O meu peito molho de coração vermelho escarlate.

Tem uma moça na praça que dança. Vejo daqui do alto, de perto do céu. Aparentemente ela não quer solucionar os problemas do mundo. Ela só dança, dança pra balançar a tristeza dos dias úteis e também dos inúteis disfarçados de alegria. Alguém grita de dentro de mim: olha aí Dona Maria, olha a laranja, olha a banana, olha o abacate.
A feira só acabou de começar.

marcelozorzeto

sábado, 16 de dezembro de 2017

mais amo do que tanto

vem dos versos que me louvam e
me afastam me louvam e me afastam
desse chão já muito rastejado
por mim vem dos versos que me lavram a terra
fértil do meu pouco sentir o choro nunca derramado
ah este pequeno poema-grão na crente
tentativa de me livrar das flores de todo
o mal ah, esse verbo-vão que acredita semear
a esperança atirando as palavras no ar pois
hoje, hoje é o dia da nossa maldade diária e eu
nem sei mais precisar porque amo tanto
mais amo do que tanto.

marcelozorzeto

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

na escuridão

é na escuridão que me vejo inteiro, de fora pra dentro
é na escuridão que penso o imenso e o eterno em mim
é na escuridão que reconheço os defeitos da minh'alma inexistente
é na escuridão que abro os olhos e enxergo minha total insignificância... e digo pra mim mesmo: sou o que sou e tudo está! a luz me queima as pálpebras do tentar satisfazer os olhares cegos de desejos luminosos.

marcelozorzeto